sábado, 6 de março de 2010

A culpa é do macaco

Olhamos frequentemente para lá de nós, do meio em que estamos inseridos - e que, assaz das vezes, consideramos superior -, com uma sobranceria que desnuda a realidade do que realmente somos.
A propósito das tragédias que assolaram o Haiti e, posteriormente, o Chile, coisas que se passaram lá longe, no outro lado do Atlântico, numa ilha ‘construída’ por ex-escravos e num país da América Latina, com tudo o que de negativo essa(s) expressão(ões) pode(m) comportar, vários comentários condenaram as atitudes menos éticas, menos sociais, quiçá, menos humanas, de muitos daqueles que se viram despojados de tudo e que de repente saqueavam estabelecimentos comerciais à procura do que quer que fosse que tivesse algum valor, mesmo que nada acrescentasse á sua qualidade de vida e á sua sobrevivência.
Todos vimos multidões descontroladas a roubar água e alimentos, mas também LCDs e máquinas de lavar, como se os electrodomésticos, em países devastados, sem as mais básicas infra-estruturas - como água e luz - servissem para alguma coisa, para além do sentimento de posse de algo que nunca tiveram e que agora os alcandorava ao nível dos outros acima deles, as elites dominantes que mesmo perdendo algo ainda ficavam com tudo.
E criticámos e puxámos da nossa civilidade para demonstrarmos perante o Mundo que aquilo que ali se passava só ali se poderia passar… Quanto engano.
Sem a dimensão de ambas as tragédias que devastaram países do continente americano, mas com a dimensão da tragédia aqui à porta, que nos tocou a todos, madeirenses e portugueses em geral, que nos marcou fundo naquilo que somos, no que vivemos, no que angustiantemente assistimos durante os dias da tragédia e das sequelas que se seguiram, também por aqui se assistiram a momentos de civismo duvidoso, alheamento total das regras estabelecidas e total desrespeito pelos semelhantes que viveram as mesmas agruras e os mesmos condicionalismos ditados pela adversidade.
Estranhamente, ou talvez não, em condições excepcionais, também os madeirenses optaram por comportamentos excepcionais. ‘Mandaram às malvas’ as críticas de incivilidade lançadas sobre os povos ‘menores’ e adoptaram estilos que em nada ficam atrás desses comportamentos evidentemente reprováveis.
Se as pilhagens e roubos foram rapidamente cerceados pelas forças de segurança (mesmo com a justificação de situações ocasionais) - também era melhor, numa desgraça a um nível incomparavelmente menor e geograficamente mais limitada que o acontecido naqueles dois países -, não é possível deixar de referir o ‘estranho’ comportamento de muitos cidadãos que parecem considerar que, em determinadas circunstâncias, as leis e as regras estabelecidas desaparecem ou podem ser quebradas, porque sim, ou porque lhes apetece.
É assim que assistimos quotidianamente ao maior desrespeito na Madeira pelas regras do Código da Estrada, quer no que diz respeito ao estacionamento quer à circulação automóvel.
De repente, ou seja, desde 20 de Fevereiro, e a partir do momento em que se começou a poder circular na maior parte das vias funchalenses, o desrespeito e o salve-se quem puder parece ter tomado posse do espírito de muitos daqueles que têm um volante nas mãos e que ocupam as estradas da cidade. É o vale tudo, numa comparação, com as devidas distâncias, com os comportamentos criticados e criticáveis daqueles afectados por outras tragédias.
Ficamos assim a pensar como seria se a dimensão do que aconteceu tivesse sido maior e se a urgência das necessidades chegasse ao extremo a que chegou noutros locais.
Não somos, então, assim tão diferentes, é à conclusão a que se chega. Longe ou perto, os comportamentos são idênticos, independentemente dos veículos de actuação ou dos meios que percorremos para atingirmos determinados fins.
Afinal, as nossas (humanas) diferenças genéticas para o nosso ‘irmão’ macaco são apenas de 2%…



Mas quem sou eu para criticar?...

Sem comentários:

Enviar um comentário