Por Luís Leiria
Um jornalista de um semanário líder de vendas publicou na semana passada uma lista daquilo que ele considera serem as propostas mais "disparatadas, deslocadas, utópicas ou difíceis de aplicar" dos programas dos partidos. No caso do Bloco de Esquerda, uma das tais propostas "disparatadas" era: "Rejeição das patentes de software".
Lê-se e não se acredita. O douto jornalista considera "disparatada e deslocada" uma medida que vigora na Europa desde 1973 e que faz parte da Convenção Europeia sobre Patentes, que proíbe explicitamente o patenteamento de programas de computador. É verdade que a Comissão Europeia queria alterar esta medida, mas o Parlamento Europeu votou contra o patenteamento em Julho de 2005, e a situação não se alterou desde então.
No seu programa, o Bloco explica que Durão Barroso foi a favor da imposição de patentes, e considera que "ela prejudica seriamente o desenvolvimento da investigação, da inovação e do conhecimento na sociedade de informação." Nada mais justo e, felizmente, a maioria dos deputados europeus assim achou.
Compreende-se que o jornalista discorde disto, e que apoie entusiasticamente que a Microsoft possa patentear (nos Estados Unidos, sem valor para a Europa) a função "PageDown" e "PageUp" em qualquer programa de computador. Cada qual é livre de pensar o que quiser. Mas achar que é disparatada, deslocada, utópica ou difícil de aplicar uma medida que sempre vigorou na Europa e que ainda vigora é um bocado demais. Cheira a pura e simples ignorância.
Até se compreende: era preciso que a coluna das "ideias OK" do Bloco fosse pequena e a das "ideias KO" fosse grande; e, depois, os prazos de fecho são tão apertados, sabem como é: às vezes não dá tempo de verificar as informações e a moda agora é dizer que o programa do Bloco está cheio de disparates...
Falemos pois de disparates.
Disparate é patentear a ideia de uma loja online: vender coisas sobre uma rede, utilizando um servidor, um cliente e um processador de pagamentos, ou utilizando um cliente e um servidor. Pois esta ideia tem três patentes (não valem na Europa): EP803105, EP738446, EP1016014
Também está patenteada a ideia de vender sobre uma rede de telemóvel: EP1090494.
E já agora, quem gosta de visitar a Amazon, saiba que está patenteado o carrinho de compras electrónico: patente EP807891.
Ver vídeos online, como estes que estão aqui no Esquerda.net (em geral alojados no Youtube). Pois acreditem que há uma patente que cobre os vídeo à disposição (on demand): a EP633694.
Fez a sua compra e quer imprimir o recibo? Alto! Também há patentes que cobrem a geração de formatos ou printouts pré-impressos a partir de modelos de baixa resolução via Internet: EP852359, EP1169848.
Há quem confunda direitos de autor e patentes. Mas são coisas totalmente diferentes. Patentes de software são monopólios de 20 anos sobre a execução de um determinado processo. No caso do software, as patentes podem tornar a programação extremamente penosa ou até irrealizável, como muito bem explica o Paulo Trezentos, professor do ISCTE e director técnico da distribuição Linux Caixa Mágica, no seu documento "Patentes de Software para não-advogados":
"Nenhum software é construído inteiramente do zero", explica ele. "Pelo contrário, é desenvolvido recorrendo a blocos, como numa casa de Lego, já existentes e que em conjunto com novos 'blocos' lógicos originais, formam uma nova aplicação de software. Assim, ao patentear-se um pequeno 'bloco', está a evitar-se que surjam um conjunto mais alargado de aplicações que pudessem vir a utilizar, mesmo que residualmente, esse 'bloco''. E como se pode ter a certeza que determinado bloco já está patenteado quando se desenvolve software? E como garantir que quando alguém pretende patentear um bloco, esse bloco não é feito utilizando outros blocos já patenteados?".
Quem se dedica a registar patentes de software por tudo e por nada, como a todo-poderosa Microsoft, gasta milhões nestes registos basicamente para tolher a concorrência, e ter sempre uma espada de Dâmocles sobre qualquer concorrente que a possa por em perigo. Recentemente, por exemplo, processou a Tomtom (a dos GPS), acusando-a de violar oito patentes suas. As duas empresas acabaram por chegar a acordo. A Microsoft tem mais de 6 mil patentes registadas.
Não vou maçar mais o leitor com esta discussão, que pode tornar-se rapidamente muito técnica e tem pano para mangas.
Mas creio que o leitor terá concluído que neste caso, como nos outros apontados (o fim dos incentivos fiscais aos PPRs, por exemplo), o disparate está do lado dos que procuram a todo o custo ridicularizar o programa do Bloco.
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